O que faz um CEO? (parte 1)

Desde o fim da minha faculdade eu, como usuário do Netscape e amigo do Taboca (que estagiava lá na época), me interessei pelo projeto do Gecko e da suíte Mozilla que era a versão aberta do navegador. Este deve ter sido o primeiro projeto de Software Livre com o qual tive um contato mais profundo e o qual eu me envolvo até os dias atuais. Foi a minha primeira experiência de interagir com outras pessoas do mundo por newsgroups, bug-tracker, IRC, wiki e afins.

Participar de um projeto aberto é uma tremenda experiência de vida.

Para começar, você tem que se acostumar a interagir com engineers, pessoas que são brilhantes e com um cérebro capaz de destrinchar problemas analíticos bem cabeludos, mas por muitas vezes sem muita sensibilidade ou traquejo social, pessoas com algum grau de autismo, sociopatia e outros distúrbios mentais.

Gente que vai te mandar RTFM sem pensar duas vezes, ou te tratar com "grosseria" quando no meio de uma argumentação sobre algo que você considere ser um bug ou feature. Isto pode machucar e deve ser trabalhado, mas bem ou mal ajuda no desenvolvimento de uma pele grossa que é característica vital a quem quer participar e sobreviver no mundo da tecnologia.

(Brendan Eich, o pai do Javascript é um destes engenheiros brilhantes, voltarei a ele mais tarde).

Não só isso, participar de um projeto aberto vai te proporcionar conhecer gente muito diferente, as vezes pode até te presentear com novas amizades, gente de lugares e culturas impensáveis, pode te colocar em contato com idéias até então inacessíveis ou pelo menos improváveis para alguém que vive limitado, seja geocraficamente ao seu país, ou a uma estrutura educacional cooptada ideologicamente, a um círculo restrito e fraco de mentes pensantes, etc…

Participando da comunidade que existe em torno de um software aberto e de um projeto que se propoe a defender princípios de liberdade na rede conheci (e fui inspirado e influenciado) por cristãos exemplares, católicos, protestantes, ateus incríveis, budistas, anarquistas, lésbicas, gays, veganos, argentinos, gregos, africanos, europeus, feministas, deficientes, advogados, marketeiros, engravatados, punks, caipiras, jovens, senhores, paranóicos de carteirinha, empreendedores ricos e bem sucedidos, asiáticos imunes à pimenta e lunáticos das mais variadas vertentes, é muito difícil encontrar alguém em uma reunião de Mozillians que seja desinteressante.

Aumentei minha tolerância, melhorei minha empatia, consigo(ou pelo menos tento) ouvir e respeitar pessoas mesmo quando discordo delas, aprendi a defender a liberdade até daqueles que apoiam acabar com a liberdade dos outros. Se hoje eu consigo dividir um ônibus em paz e ser brother de pessoas tão distantes de mim no espectro político como um estudante de direito que veste camiseta do covarde assassino Chê, ou um estudante de história eleitor do PSOL ou uma atriz apaixonada pelo governo "democrático" da Venezuela, ou uma jornalista da Carta Capital que defende o aborto, ou um funcionário da secretaria da presidência é em parte porque vivi a experiência de uma comunidade de software livre onde cada um deles esta lá para coçar seu comichão próprio, num ambiente de bazar onde o produto deste caos sai tão gigantesco quanto uma catedral.

Participar de um projeto aberto pode te colocar em situações onde é necessário ou útil, fazer concessões e conviver com pessoas de princípios e passados bem diferentes, opostos e até repulsivos.

No(s) próximo(s) post(s) pretendo escrever sobre a escolha de Brendan Eich como CEO da Mozilla e dar meu ponto de vista com relação a este assunto…

Quero refletir, buscar os fatos, entender de onde as pessoas vem antes de cair na armadilha de alimentar uma polarização ou uma caça às bruxas promovida por quem tem o que ganhar se ofendendo.

Enquanto isto não ocorre deixo vocês com o link para dois dos tantos blog posts que li estes dias sobre a escolha do novo CEO da Mozilla:

http://incisive.nu/2014/thinking-about-mozilla/

http://words.tofumatt.com/2014/03/26/on-including-the-uninclusive/