Plataformas e princípios éticos (prelúdio)

Esta semana saiu trailer de um novo filme, The Matrix Ressurections, derivado da obra que marcou a década de 90, The Matrix.

https://www.youtube.com/watch?v=9ix7TUGVYIo

O trailer desta nova obra conta com a presença de duas das personagens principais do filme The Matrix, Neo e Trinity, interpretadas pelos mesmos atores, porém um outro ator no lugar do Morpheus.

https://www.youtube.com/watch?v=D4eJx-0g3Do

Isso gerou especulação na rede sobre se o ator original não fará parte deste novo filme e se isso poderia estar relacionado com o fato do Morpheus ter morrido na história do The Matrix Online (um jogo multiplayer de 2005). Afinal esta expansão foi referendada pelas pessoas que escreveram o filme. Voltarei a este assunto aqui após o parênteses a seguir.


Este post não é sobre a fútil discussão acerca do que é ou não é canônico nestes universos de ficção. E nesta ocasião também não quero escrever sobre se artistas deveriam ou não ter alguma autoridade sobre as suas obras depois delas nascerem.

Particularmente eu considero o filme The Matrix (1999) uma obra completa por si só, que dispensa maiores desdobramentos, explicações ou continuações. E reconheço que The Animatrix foi bom.

Mas o Reload é mentiroso
e o Revolutions é ruim
e não tem mais a música
do Rage Against the Machine

https://youtu.be/HAyqFGhEY5o

(fim da interrupção)


Voltando ao jogo Matrix Online, ele durou uns 4 anos e como é comum em jogos online proprietários, quando os donos dos servidores resolvem tirá-los da tomada, não há muito o que fazer a não ser lamentar. Chegamos enfim ao assunto deste texto.

Este post é uma prévia para uma outra discussão, sobre software, mais especificamente sobre SaaSS (Software as a Service ou Service as a Software Substitute, dependendo de quem você consultar). Sobre plataformas, ética, princípios, respeito, autonomia e soberania de dados... mas vamos devagar. Quero usar o caso deste jogo online multiplayer para ilustrar um problema.

Imagine que você participou de uma comunidade online de pessoas que frequentam um mundo em comum, que criou um vínculo de afeto com este mundo e com os seres de lá. Este mundo foi criado por uma empresa, com grandes eventos e regras escritas por gente paga, mas também com outros tantos acontecimentos, relações, vocabulário, costumes e cultura criados e mantidos coletivamente pelos habitantes deste mundo.

Num belo dia, por qualquer motivo, um grupo responsável pela manutenção deste mundo decide desligá-lo, o que fazer? Como reagir à notícia de que a Matrix chegará ao fim da vida, será desligada e levará consigo os deliciosos bifes malpassados virtuais?

Não participei da The Matrix Online, que foi este jogo multiplayer, esta comunidade, este ponto de encontro, este mundo, esta realidade virtual. Mas um dos participantes, Julio Angel Ortiz, achou importante preservar de alguma forma um registro histórico do que foi este mundo e, ao se deparar com a notícia de que os servidores seriam desligados e que o serviço seria interrompido e cancelado pelos "donos"(muitas aspas aqui) da coisa, começou a escrever um documento conhecido como The Matrix Online Archives.

Hoje eu tive a chance de conhecer mais este caso incrível de um entusiasta que trabalhou para preservar um pedaço da história, palmas para o Julio!

Caso semelhante aconteceu em 2009, na ocasião do anúncio de que a Yahoo desligaria o host Geocities, houve um esforço por parte do Internet Archive para copiar todo o conteúdo das páginas hospedadas lá.

Já um outro exemplo, desta vez vindo dos próprios "donos" de plataforma, foi o Glitch, um jogo que funcionou entre 2009 e 2012 e que, uma vez decidido que ele seria desligado, todos os códigos-fonte e todos os materiais gráficos (lindos por sinal) foram gentilmente devolvidos ao domínio público num dos mais belos gestos de respeito que eu já encontrei na web. Fruto sem dúvidas do DNA de cultura-livre que muitos do time, formado por pessoas vindas da Ludicorp e do Flickr (grande case de uso de licenças Creative Commons e APIs abertas da web 2.0), possuem.

Para as pessoas participantes/consumidoras de serviços online e principalmente para as autoras, engenheiras ou empreendedoras que estão construindo as próximas plataformas, acredito que o maior diferencial e fator de peso nas decisões tem que ser uma atenção especial para os princípios éticos. Por exemplo: se o modelo é baseado em "vendor lock-in", se o código do sistema não é livre, se estamos pagando com nossos dados, se não há previsão de suporte de longo termo, possibilidade de "self-host" etc. Esta lista de princípios é o que eu pretendo expandir em posts futuros.


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Fabricio Campos Zuardi

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