Satsconf 2022

Terça feira passada, aconteceu em São Paulo a primeira Satsconf, uma conferência sobre tecnologia que reuniu pessoas interessadas no avanço do dinheiro da internet (ou dinheiro mágico da internet), o bitcoin.

O "sats" do nome da conferência vem da abreviação de satoshis1, assim como cents é a abreviação de centavos.

Eu tive a grande felicidade de poder estar lá, venci a preguiça e as justificativas mais óbvias para não ir e fui me encontrar com a "minha tribo2". Encarando o transtorno de uma viagem "bate-volta" cansativa para a capital, em dia útil, numa semana intensa do trabalho, com prazos e entregas se apertando e se acumulando.

Ah, conferências... que saudades que eu estava! Que coisa boa poder estar numa aglomeração de novo, acho que foi a minha primeira depois da pandemia (até tive outra, interna da firma, mas nao contou, por ser fechada). Eu amo demais estes encontros de gente criativa e maluca! IRContros, semanas da computação, Barcamps, Hackathons, viagens do Ônibus Hacker, festivais de música, FISL, Latinoware, CC Summit, Campus Party, CaiPyra... meetups em geral. Caramba, como fez falta, como foi chato não poder mudar de cenário e não poder conhecer gente ao vivo nestes últimos anos (quantos foram? três? caralho...).

Por um lado o isolamento da pandemia ajudou a gente a acelerar um tanto nossa migração para o mundo da informação. Digitalizamos ainda mais nossas rodinhas e isto foi fantástico. Suprimos a carência e a necessidade de socialização com grupos de Telegram, Discord, Spaces de twitter, podcasts, zooms, google meets, longos áudios de Whatsapp e tal. Mas poder estar presencialmente juntos, para alguém da minha geração, ainda faz muita diferença. É ótimo poder encostar, abraçar, rir, envergonhar-se, se esforçar no Inglês e Portunhol para se comunicar com estrangeiros, estar diante de gente nova, ao vivo e na altíssima definição e largura-de-banda que é este "modo" chamado mundo físico.

Nossas tribos, nosssas subculturas, são uma fatia grande de quem somos, ter uma galera que compartilha as mesmas referências, memes e piadas internas de algum contexto, seja ele o nicho que for é importante. O skate, a bike, o metal, o RPG, o poker, a capoeira, o pingue-pongue, o crochê, o futebol, a orquestra, o seminário de filosofia, o badminton, a igreja, o happy hour recorrente, o pagode, o basquete, a faculdade, o subreddit, as comunidades de projeto open-source, o motoclube, as linguagens de programação, a yoga, as jogatinas de tabuleiro, o clan do jogo online, a rave, o inferninho indie, enfim... os rolês. E eu admito que para um observador externo, um rolê sobre dinheiro (mesmo bitcoin sendo o melhor dinheiro já descoberto) é algo muito esquisito.

O encontro desta semana foi um deste nicho formado pelas herdeiras de Satoshi Nakamoto, Hal Finney, Nick Szabo, Ross Ulbritch, Shafi Goldwasser
e tantas outras. Um nicho de origens cypherpunks e libertárias, mas que, como toda boa subcultura, possui a chance/perspectiva de crescer e tornar-se mainstream, virar a norma.

Se um dia a hiperbitcoinização chegar, vai parecer estranho que em 2022 houve um encontro de "bitcoinheiros", pois bitcoin será então algo que usamos sem pensar, sem saber, assim como hoje usamos a internet, assistimos tv ou falamos Inglês, não será um assunto especial ou uma área de especialização, vai só fazer parte do dia-a-dia. Mas neste estágio em que estamos, em que "we're still early™", a identificação das pessoas como parte de um grupo especial é fundamental.

Gostei de ter ido e voltei com um caderninho cheio de anotações, muitas idéias e alguns novos contatos, ainda preciso de um tempo para digerir tudo, experimentar, refletir e quem sabe escrever mais sobre os muitos temas que ouvi neste dia que passei fora de casa. Por enquanto deixo só este singelo testemunho pessoal, o agradecimento a todos da organização impecável e o sentimento de que precisamos nos reunir e conversar mais, tanto online quanto offline. Trocar idéias, desenhar soluções para os prolemas de escala, combater FUD e etc.

É hora de persistir e caminhar com humildade no sentido de consolidar nossos valores comuns. Na minha visão, os de descentralização, soberania, privacidade, resistência à censura e liberdade individual. Estes são inegociáveis.

O radicalismo e a "toxicidade" tem o seu papel nestas lutas, assim como respeitar e aceitar a diversidade de lugares de onde cada um vem no que diz respeito aos outros valores secundários é tudo parte de uma grande equação (hat tip para o Leta que me pareceu adorar equações).

Tudo bem ser vegetariano, ou ser estritamente carnívoro, tudo bem não escovar os dentes bochechando óleo de coco, ser ou não ser Olavista, usar frigideira de teflon, ou inox, ou ferro fundido, aceitar uma urna eletrônica opaca ou mesmo ter sujado a mão de merda e cravado o 13 nela (como eu cofesso que fiz), tudo bem brincar com uma ou outra altcoin, afinal... quem nunca? O mundo real tem muitas nuances, individualidades e complexidades. E há uma beleza nisso.

Trilhar esta estrada é um desafio grande, achar um balanço entre ter bons alicerces e ao mesmo tempo não se fechar numa bolha intolerante que repele quem se beneficiaria dos princípios requer esforço. Separar o dinheiro do Estado tem que ser uma luta de todos (todes?... ha, zoeira).

Há um ajuste fino sobre como propagar estes valores de uma maneira acessível e receptiva. E felizmente nesta terça eu só encontrei pessoas bem amigáveis, foi um dia com uma atmosfera boa. As turmas de 20/21 são ótimas!! <3

Mal posso esperar o próximo :)

outras fotos do evento Satsconf2022


  1. Satoshi é a menor fração da moeda bitcoin (BTC), que, diferente dos centavos de reais, que são duas casas decimais, no bitcoin são 8 casas depois da vírgula. Um satoshi são 0,00000001 bitcoins, 1 BTC são cem milhões de satoshis. No momento da escrita deste texto R$ 1,00 valia aproximadamente 1115 satoshis. Satoshi Nakamoto é o pseudônimo usado pelas autoras do paper "Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System" apresentado ao mundo em 31 de outubro de 2008

  2. Página arquivada do lineup da Satsconf 2022.


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Fabricio Campos Zuardi

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