Sobre máquinas de escrever e meu primeiro writerdeck

https://youtu.be/QSzU3PVBnI4

Juventude analógica

Ontem o algoritmo do Youtube me recomendou um vídeo sobre o
Louis, um jovem que vive em São Paulo e que é aficcionado por máquinas de escrever e outras tecnologias antigas. Gostei da descrição que ele deu de uma máquina de escrever como uma "máquina meditativa".

https://youtu.be/9PRub2BLs9s

Para alguém com minha idade (45), o interesse por máquinas de uma época pré-internet, pode ter sua origem na nostalgia, na saudade de outros tempos, quando havia menos acesso, mais inconveniências, mais rituais. Mas no caso de muitos jovens que já nasceram depois da internet, esta atração pelo analógico deve ter mais a ver com o desejo de experimentar este estilo de vida que eles só conhecem por relatos. Talvez seja uma reação ao mundo hiperconectado, dos scrolls infinitos, das redes, das telas preenchendo qualquer menor sinal de tédio, aquele papo conhecido. Nas palavras do próprio entrevistado:

"pessoas vivas, pessoas jovens... estão completamente exaustas de telas, de internet, de ter que ficar conectadas o tempo todo"

Ainda pelo Youtube, este tema reapareceu em alguns video-essays (ensaios em formato de vídeo), nas minhas fugas da programação da TV aberta durante o domingo, a Globo em particular está uma chatice com esta história de comemorações dos 60 anos, até o Globo Rural inventou de fazer reportagens bregas sobre novelas...

Enfim, compartilho aqui estes exemplos deste sentimento, desta tendência, deste "espírito do tempo": um vídeo de um outro jovem explicando porque jovens gostam de coisas velhas e um sobre a importância da inconveniência.

Máquina de escrever

Voltando ao Louis e suas máquinas de escrever, eu sou uma pessoa que tem certa tendência de acumular tralhas, no meu apartamento tem muito livro de papel, tem pilhas de CDs, DVDs, eletrônicos diversos, projetos inacabados, materiais de costura, de crochê, instrumentos musicais, vários videogames antigos, TVs e monitores de tubo e etc, é um "ecoponto", tenho até uma máquina de somar, mas não tenho nenhuma máquina de escrever, ainda...

olivetti logos 692 soma e passa a régua

Ver aquele jovem exibir sua coleção e descrever as particularidades de cada tipo de máquina me deixou com certa vontade de adquirir uma, não vou negar... Abri os classificados locais (Facebook Marketplace) e um site de comércio de usados (Mercado Livre) para olhar as oportunidades, porém tenho a satisfação de declarar que consegui, pelo menos por enquanto, freiar o meu impulso consumista.

Não vou dizer que a idéia de ter uma "máquina meditativa", um aparelho que serve a um único propósito não me agrada, pelo contrário, acho bem atrativo estes representantes de uma vida com foco, com atenção. Gosto de ler jornal de papel tomando café, gosto do ritual de escolher e escutar um álbum de música inteiro... faz bem estes momentos de contemplação.

Uma máquina de escrever, para alguém que, como eu, gosta de escrever, é uma chance de ter este canal. De criar oportunidades para escrita focada e sem distrações. No entanto também significa abrir mão de muitas facilidades magníficas como o meu tecladinho mecânico, split e super confortável, bem como as inovações dos processadores de texto modernos, tais quais: a capacidade de mover o cursor ou mesmo o revolucionário e simples "backspace".

Decidi então construir uma "máquina de escrever" utilizando as tralhas que já possuo primeiro.

Resignificando um iPad

Dentre os cacarecos do meu museu de lixo eletrônico, tenho um tablet relativamente velho, um iPad mini 2, que foi comercializado entre 2013 e 2017, mas que eu comprei usado, já fora de linha, na minha cidade em meados de 2023 para brincar de fazer música com um controlador MIDI e um adaptador USB-Lightning OTG.

Este tablet me pareceu um bom candidato para ser usado como display da minha máquina. Uma vantagem de usar um iPad velho para isto é o fato dele já possuir uma bateria embutida, ou seja: portabilidade.

As desvantagens são o fato de precisar arranjar um software adequado e compatível com um iOS já abandonado (12.5.7), além do fato do iPad ser um computador completo e multipropósito, eu tenho jogos e aplicativos diversos instalados nele, as distrações estariam lá sempre a um "touch" de distância, talvez até aparecendo em forma de notificações caso eu não me discipline.

ipad apps on screen there's an app for that

Tenho também um Kindle que eu pensei em usar. Escrever com uma tela de e-ink seria um coisa bem agradável, sei de alguns projetos com raspberry pi, tipo este que usa VNC mas eu descuidei e deixei o firmware atualizar, perdi a chance de destravá-lo com um jailbreak, então ele não pode por enquanto fugir muito dos destinos que a Amazon quiser para ele... malditos! (observação: sei que existem soluções baseadas em browser que não dependem de jailbreak, fica para um outro post)

Vamos de iPad mesmo, o teclado externo eu consigo usar o adaptador USB que eu tenho, fui atrás de como travar ele em um único app, o chamado modo "quiosque" (como estas tablets de cardápio de restaurante, que não podem facilmente funcionar como tablet genérica). O último passo foi decidir qual software utilizar, escolher um "app" de escrita, notas, processador de texto, diário ou algo assim.

Apps destes existem aos montes, o desafio é encontrar um que funcione em iOS 12, já que o incentivo na Apple Store é para que os aplicativos suportem apenas as versões mais recentes do iOS. Por exemplo, eu não consigo instalar Youtube ou Netflix numa tablet de poucos anos atrás.

Sugestões de aplicativos

Experimentei 6 aplicativos, alguns nem abriram, outros dependiam de assinatura ou cobravam por funcionalidades básicas, outros tinham anúncios.

Os dois compatíveis com esta versão antiga do iOS que eu gostei e posso recomendar para alguém com objetivos parecidos são estes dois: PenCake e Hanx Writer.

O PenCake é um editor de Markdown, bem completo, gratuito, com dark mode e opção de sincronizar os textos na nuvem da Apple ou no Google Drive. O segundo, que eu considerei o mais apropriado para este propósito de "máquina de escrever" é um aplicativo do Tom Hanks, o ator e também amante das máquinas de escrever.

https://youtu.be/v9ppR7rbLp8

Este app, apesar de sem updates desde 2017 funciona razoavelmente bem, simula máquinas de escrever é gratuito com uma opção de liberar algumas funcionalidades a mais, como fontes maiores, multiplos documentos, cores diferentes e mudança da cor de fundo por 10 dólares (por sua conta e risco, é um app abandonado)...

Modo quiosque

Para ativar o "mode quiosque" e permitir que o iPad sirva exclusivamente para rodar um único aplicativo, sem possibilidade de distrações, o caminho é uma funcionalidade chamada "Guided Access" que pode ser habilitada nesta versão do iOS pelo Settings, menu General > Accessibility > Learning > Guided Access. Uma vez habilitada, entre no aplicativo que deseja "travar" e aperte o Home Button três vezes seguidas.

O resultado está registrado no vídeo que abre este post, deixem lá um like para dar uma moral :)

Mais sobre writerdecks

Depois que entrei neste projeto de montar minha máquina de escrever, caí num grupo de Reddit chamado /r/writerdeck que funciona como ponto de encontro para pessoa e projetos com este mesmo intuito. O nome é uma variação do termo Cyberdeck que vem da cultura cyberpunk, seriam computadores portáteis, pequenos terminais usados por hackers ou algo nesta linha, outro nicho de projetos caseiros muito interessantes para se explorar.


Header Photo by Yukon Haughton on Unsplash


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Fabricio Campos Zuardi

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